da assessoria de imprensa
Mais de 80% do rebanho nacional é representado pelo gado zebu, de acordo com levantamento de 2010 da Associação Brasileira de Criadores de Zebu (ABCZ). Na literatura, fala-se que o alto nível de genética desse animal pode diminuir a maciez da carne. Além disso, os bovinos são alimentados em pastagens e tendem a ter carcaças com menos gordura intramuscular, um dos determinantes quando se trata de padrões internacionais de qualidade da carne. Um método que melhora os aspectos sensoriais da carne é a maturação (termo que vem de maduro, de envelhecimento), que acontece um tempo após o abate do animal.
Em um estudo de mestrado, o médico veterinário Gustavo de Faria Vilella abordou as diferenças físicas, químicas e sensoriais da carne maturada pelo processo úmido, embalada a vácuo, e pelo processo a seco, sem embalagem. Constatou mínimas diferenças químicas e sensoriais ao avaliar o filé de costela bovina. Mas, surpreendentemente, o processo a seco gerou maiores teores de umidade e, talvez por isso, menores teores de aminoácidos livres (efeito de diluição), justificando a pouca diferença nos atributos sensoriais entre os dois processos.
“Provavelmente, um maior tempo de maturação a seco poderia diminuir mais ainda o teor de umidade, aumentar a concentração de aminoácidos livres e, por consequência, melhorar as características sensoriais”, concluiu o pesquisador em sua investigação na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA). O trabalho sugeriu que uma combinação entre os sistemas de maturação pode ser uma ferramenta útil para os estabelecimentos que desenvolvem produtos maturados a seco, uma vez que as perdas de processo são intermediárias, não havendo prejuízo nas características sensoriais.
O processo a seco, comentou ele, tem a vantagem de produzir menos aromas “estranhos”, porém gera grandes perdas, quando comparado com o processo úmido. Características do processo de maturação, como temperatura, umidade relativa do ar e velocidade do ar, podem interferir muito no produto final. “É esse o caminho que os estudos vão seguir daqui para frente”, acredita.
As carnes no estudo foram maturadas por 28 dias em uma câmara à temperatura de 2ºC. Como a temperatura que Gustavo usou para a maturação, o tempo e a umidade relativa do ar da câmara praticamente não determinaram diferença entre as carnes úmidas e as secas, isso quer dizer que é possível realizar ambos os processos. “Mas não se sabe ao certo qual é a melhor carne. Pensamos que tudo tem relação com a umidade que se perde. Então, conseguindo secar mais a carne, há indícios de que haverá maior concentração de compostos no sabor final”, expôs.
O pesquisador, que na sua dissertação foi orientado pelo professor da FEA Sérgio Bertteli Pflanzer Júnior, afirmou que toda carne consumida no dia a dia sofre algum tipo de maturação, após o processo chamado rigor mortes, momento em que os músculos sofrem enrijecimento. A carne inicia esse processo por volta de 24 horas após o abate.
“Toda carne que compramos no supermercado já passou por alguma maturação, às vezes por tempo de dez dias. É pouco. O mais comum é que as carnes embaladas a vácuo sejam maturadas por maior tempo. Daí a limitação acaba sendo microbiológica – da carne estragar durante o resfriamento”, esclareceu o veterinário.
Enquanto está na câmara de refrigeração, a carne está maturando e, no processo a seco, não é diferente. Esse é um procedimento natural em que a carne melhora progressivamente ganhando novos sabores e texturas através da ação de enzimas endógenas, nativas do músculo. A carne fica, por assim dizer, modificada (maturada) e em geral ganha a preferência das pessoas, embora em algumas regiões do país se prefira ainda a carne mais fresca, sem maturação.
Gustavo estudou a carne bovina, por ser o carro-chefe do Laboratório de Tecnologia de Carnes da FEA, principalmente na área de melhoramento de tecnologia. Segundo ele, existem poucos trabalhos hoje envolvendo carne maturada de suínos, aves ou outras espécies. Normalmente, carne suína e de aves estão mais atreladas aos produtos processados.
Processo
No estudo, o autor dividiu os filés de costela em quatro partes para os tratamentos de maturação no quarto dia pós-abate, para avaliar a qualidade da carne. Eles foram desossados para serem embalados a vácuo, para vedá-los e para diminuir a exsudação de líquidos, que prejudica a aparência da carne e que favorece a sua deterioração.
Realizou-se um processo intermitente com maturação seca, úmida e com processos alternados: 14 dias de maturação seca e 14 dias de maturação úmida, e vice-versa. Foram então no total quatro tipos de tratamento. Também foram avaliadas carnes com um mínimo de maturação (de quatro dias).
Gustavo comparou o teor de aminoácidos livres por cromatografia líquida de alta eficiência, que envolve a quebra das proteínas da carne à medida que acontece a maturação. A carne então fica mais macia e, em teoria, isso influiria no sabor. Avaliou ainda a maciez instrumental e sensorial (aroma de sangue, de carne assada, gosto umami, suculência e maciez), por meio de uma equipe treinada. Chegou à comprovação de que a maturação traz realmente um aumento da maciez e que essa condição varia muito no processo final.
Outro aspecto que ele observou foi uma maior perda de peso da carne na maturação a seco, o que já era esperado. Em termos de ganho de produtividade, a perda de peso é um aspecto negativo, se a ideia é comercializar. Essa perda na maturação úmida é repassada ao consumidor, pois a carne é embalada a vácuo e todo líquido é vendido junto com ela.
Por outro lado, em comparação à maturação úmida, a maturação a seco implica maiores custos de produção, devido a uma maior taxa de encolhimento (ou perda de umidade que ocorre durante a maturação) e devido à necessidade de remoção das superfícies ressecadas (aparas) após a maturação. Os dois fatores decorrem da ausência de embalagem durante o processo.
“A perda da carne maturada a seco vai para o ambiente por causa do ressecamento em sua superfície (ela escurece), que precisa ser removido. Isso acaba promovendo perda também. Com certeza, o preço é repassado ao consumidor. Por isso a carne maturada a seco é bem mais cara que a úmida”, disse.
Os trabalhos abordando maturação a seco no Brasil são escassos, de acordo com Gustavo. No exterior, há mais estudos, apesar de não ser algo consolidado na literatura científica. “Achamos pouca diferença entre os dois tipos de carne, especialmente em termos sensoriais. Contudo, notou-se um ligeiro aumento do aroma de oxidado na carne maturada úmida. O desejável é que não existisse esse tipo de aroma férreo”, informou.
Na literatura, há descrições de que a carne maturada úmida pende para um sabor de sangue (mais ácido e indesejável), ao passo que a carne maturada seca pende para um sabor de nozes e de carne assada.
O pesquisador frisou também que as condições de manejo do animal para o abate interferem na qualidade da carne: o manejo, o bem-estar, o estresse, todos eles podem ir para o animal.
As carnes dos supermercados normalmente têm procedência e vêm com selo do Serviço de Inspeção Federal (SIF). Todo produto de origem animal tem que ter esse selo por lei, visto que ele garante que aquele produto passou por inspeção oficial e foi abatido dentro dos padrões. “Infelizmente a maturação a seco ainda não está prevista na legislação brasileira, mas também não está proibida. Essa brecha pode trazer problema para quem matura a seco”, comentou o veterinário. Seu estudo é uma contribuição à área da ciência da carne, um primeiro passo para investigar a maturação a seco. Agora, falta desenvolver essa tecnologia e aprimorá-la porque economicamente suas aplicações ainda são mínimas.
Uma vertente de pesquisa do professor Sérgio se ocupa de provar que esse é um produto seguro para o consumidor, do ponto de vista microbiológico, e pode, em breve, ser incluso na legislação, criando-se a cultura da maturação a seco. “A intenção é popularizar esse produto, ainda mais com a nova onda de produtos gourmet, que valorizam o sabor”, pontuou
Produção
Na pecuária bovina, o país tem uma produção de aproximadamente dez milhões de toneladas, equivalente à carcaça e um rebanho de cerca de 210 milhões de cabeças, ocupando o segundo lugar da produção de carne bovina mundial. Tem também o segundo maior rebanho do planeta e é o maior exportador de carne bovina, oferecendo ao mercado exterior mais de dois milhões de toneladas equivalentes à carcaça em 2014, de acordo com o Departamento de Agricultura dos EUA. É um dos maiores consumidores de carne bovina, com um consumo de quase oito milhões de toneladas, atrás apenas dos Estados Unidos, com consumo de cerca de 12 milhões de toneladas. Considerando que a população brasileira era, em 2010, de quase 202 milhões de habitantes, conforme censo do IBGE, pode-se estimar um consumo per capita em torno de 39 kg de carne bovina por habitante.