da assessoria de imprensa
Um estudo de pesquisa básica desenvolvido na Unicamp traz uma série de conhecimentos novos sobre o transporte e a regulação do cálcio no coração humano. Os íons de cálcio, espécie eletricamente carregada do elemento, são responsáveis por iniciar o processo de contração muscular cardíaca, que pode estar alterado em doenças associadas ao mau funcionamento do coração.
O estudo da Unicamp avaliou, entre outras questões, se fatores como o sexo e a idade do indivíduo afetam o transporte de íons de cálcio no miocárdio, músculo do coração que possui funcionamento autônomo e involuntário. Os resultados dos experimentos revelaram uma importante influência do envelhecimento sobre essa questão.
Conforme a idade do indivíduo avança, há uma tendência de redução na liberação de cálcio pelo retículo sarcoplasmático, estrutura celular responsável pelo armazenamento e liberação deste íon. De acordo com os pesquisadores, isto pode limitar a contração do miocárdio.
“Nos últimos cem anos, as doenças cardiovasculares foram as que mais resultaram em óbitos no mundo, conforme dados de 2011 da Organização Mundial de Saúde. Por outro lado, a expectativa de vida tem aumentado bastante, sobretudo no Brasil. Há uma estimativa de que, em 2030, mais de 13% da população brasileira estará acima dos 65 anos. Entender, portanto, como o envelhecimento afeta a função do sistema cardiovascular, em particular do coração, é importante para a prevenção de doenças e melhoria das condições de vida do idoso”, situa Jair Trapé Goulart, um dos autores do trabalho.
Jair Goulart defendeu recentemente tese de doutorado sobre o tema. O projeto, conduzido no Centro de Engenharia Biomédica (CEB) da Unicamp, é coordenado pelos professores José Wilson Magalhães Bassani, docente da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp, e Rosana Almada Bassani, pesquisadora do CEB.
Também integram o grupo os médicos e docentes Orlando Petrucci Jr., Pedro Paulo Martins de Oliveira e Lindemberg da Mota Silveira Filho, da equipe de cirurgia cardíaca da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e do Hospital das Clínicas (HC); o residente Felipe A. S. Souza; e o médico Karlos Alexandre de Sousa Vilarinho, também do HC.
Parte do doutorado de Jair Goulart foi desenvolvida no Laboratory for Cardiovascular Experimental Electrophysiology and Imaging, da Georg-August-Universität Göttingen, localizado na Alemanha. No laboratório, coordenado pelo professor Lars S. Maier, o pesquisador da Unicamp trabalhou em técnicas de isolamento das células do coração de pacientes humanos.
Os estudos nesta área inserem-se no âmbito da linha de pesquisa “Transporte e regulação do cálcio no coração”, coordenada por José Wilson e Rosana Bassani. O projeto recebeu financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ); da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes); e do Programa Ciência sem Fronteiras.
Compreendendo o coração saudável
A pesquisadora Rosana Bassani informa que uma das principais novidades do trabalho é a inclusão, no estudo, de células vivas e intactas de indivíduos sem patologia cardiovascular conhecida.
O objetivo, de acordo com ela, foi avaliar quantitativamente a participação de diferentes transportadores de cálcio (isto é, proteínas que transportam o íon) nas células do coração humano. Para isto, foram utilizadas células retiradas de corações captados de doadores para transplante de órgãos na Unicamp.
“Os resultados obtidos permitiram caracterizar pela primeira vez a atuação desses transportadores no coração humano saudável. Para que se possa desenvolver e testar terapias para doenças, é preciso saber em qual alvo deve-se intervir. Antes, é preciso identificar o que funciona mal no órgão doente. Mas, para compreender isto, é necessário que se conheça como funciona o órgão sadio. Por isto são tão importantes os estudos com corações de pacientes saudáveis”, explica.
O professor José Wilson Bassani acrescenta que compreender os mecanismos do transporte de cálcio nestas condições possibilita que se crie uma referência para identificação de alterações associadas a diferentes patologias, para o desenvolvimento de novos medicamentos e de novos estudos e pesquisas na área. “O transporte de cálcio é fundamental para a função contrátil do coração, e, como é a contração cardíaca que promove o bombeamento de sangue para todo o organismo, em última análise, ele é fundamental para a sobrevivência do indivíduo. Conhecer como atuam e interagem os transportadores de cálcio em corações saudáveis é fundamental no apoio ao desenvolvimento de estratégias para tratamento de doenças que prejudicam a função cardíaca.”
Neste ponto, Rosana Bassani esclarece que não é a primeira vez que se estuda transporte de cálcio em corações de humanos. “Existem grupos de pesquisa, por exemplo, nos Estados Unidos, na Espanha e na Alemanha estudando este tema. A novidade do nosso estudo foi, em primeiro lugar, fazer uma análise dinâmica desse transporte em células intactas e não cultivadas, ou seja, recém-retiradas do coração. Isto permite uma análise em condições mais próximas às reais.”
Segundo a pesquisadora, outra singularidade do trabalho é o caráter quantitativo da análise, o que confere precisão aos dados, permitindo comparação, por exemplo, com outras espécies animais e entre diferentes grupos de pacientes. O uso da abordagem quantitativa só foi possível pela existência de um método de análise específico, desenvolvido na década de 1990 com a participação dos coordenadores do estudo. O método foi desenvolvido no laboratório do pesquisador Donald Bers, em Chicago, Estados Unidos.
“Esse método tem sido utilizado por pesquisadores, mas ainda não tinha sido aplicado para corações humanos. Outra novidade é que estamos buscando dados de indivíduos que não têm a doença cardiovascular. Este é um aspecto crucial do trabalho porque normalmente são utilizadas amostras de corações doentes de pacientes submetidos a cirurgias cardíacas”, salienta Rosana Bassani.
A pesquisadora esclarece que foram estudadas células de átrios (câmaras do coração que recebem o sangue da circulação) tanto de corações saudáveis, quanto de pacientes de cirurgia cardíaca, sem que houvesse qualquer prejuízo ao receptor do transplante ou ao paciente cirúrgico. “Isto foi possível porque utiliza-se um pequeno fragmento do miocárdio que normalmente é descartado. O projeto recebeu aprovação da Comissão de Ética em Pesquisa da instituição”, ressalta.
Outros resultados
Outro resultado relevante do estudo, segundo o grupo, foi a demonstração de que cerca de 90% do transporte de cálcio em cada contração ocorre entre compartimentos dentro da própria célula cardíaca.
“Em outras palavras, 90% do cálcio que se liga no aparelho contrátil no citoplasma fica armazenado no retículo sarcoplasmático. Sua liberação deste compartimento para o citoplasma durante a atividade elétrica dispara a contração, e seu posterior transporte para o retículo sarcoplasmático permite o relaxamento da célula. Isto significa que alterações na função das proteínas envolvidas nesse transporte podem ter um grande impacto na atividade contrátil do coração. Portanto, estas proteínas devem representar importantes alvos para atuação terapêutica”, explica o professor José Wilson Bassani.